Caro leitor,

Dando sequência à publicação de textos escritos por nossos parceiros, convidamos o amigo Lucas Guanaes para falar sobre temas olímpicos.

Graduado em jornalismo pela Universidade Anhembi Morumbi, repórter da TV Cultura em São Paulo, criador do canal Duas Saídas (especializado em basquete nacional), ex-repórter do NBB e colunista/comentarista em veículos focados em basquete, Guanaes é um dos mais relevantes produtores de conteúdo do país.

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Time Brasil - Negócios no Esporte
Fonte: Divulgação CBB

A partir da próxima terça-feira, 2 de julho de 2024, a seleção masculina de basquete inicia a caminhada do Pré-Olímpico em Riga, na Letônia. E o olhar sobre a campanha vai além da questão desportiva. Uma eventual e improvável classificação (leia mais abaixo) teria impacto em toda a delegação brasileira em Paris, além de mudar, ainda que sutilmente, a hierarquia da distribuição de verbas para as confederações pelo Comitê Olímpico Brasileiro.

As nomenclaturas são muitas e os personagens se misturam. Então, vamos por partes.

Mais treinadores no Time Brasil

A delegação brasileira deverá ter defasagem de técnicos em Paris. E o basquete pode ser a salvação.

Na preparação para 2024, o Time Brasil tinha o sonho de bater o recorde de atletas brasileiros inscritos numa edição dos Jogos Olímpicos. Com exceção de Rio-2016, quando muitos se classificaram pelo fato de o país ser sede (465), a maior marca foi a de Tóquio-2021, quando 302 esportistas embarcaram para a Terra do Sol Nascente.

E as ausências do futebol e handebol masculino, além do basquete feminino, causaram um impacto na quantidade de brasileiros que estarão em Paris. Por enquanto, a expectativa é de cerca de 260 nomes representando a nossa bandeira.

Mas esse número não importa apenas pelo volume tupiniquim em solo europeu. 

Como bem explicado por Demétrio Vecchioli, no Uol, o Comitê Olímpico Internacional distribui uma quantidade limitada de credenciais para treinadores para cada delegação, numa proporção próxima a 40% do número de atletas.

Naturalmente, para esta conta, os esportes coletivos têm um grande peso, pois acabam gerando um “excedente” de credenciais, que podem ser utilizadas em modalidades que poderiam ter crachás a menos. A decisão de qual equipe poderá levar mais ou menos treinadores fica a cargo do Comitê Olímpico Brasileiro.

Mas se o basquete masculino conseguir a classificação, alguns nomes extras poderão ser levados, reduzindo esta defasagem. Afinal, em Paris, apesar de ter menos atletas, o Brasil será representado em mais modalidades do que em Tóquio, o que significa uma necessidade maior de treinadores. 

Maior peso para o basquete na verba do COB

Anualmente o Comitê Olímpico Brasileiro recebe uma “bolada” vinda de parte do faturamento das loterias, regulamentada pela Lei 10.264, conhecida como Lei Agnelo/Piva. É com a divisão desse dinheiro que as confederações obtêm boa parte de sua renda.

Metade da distribuição é igualitária, mas a outra metade é meritocrática. O COB adota uma série de critérios, com pesos diferentes, para ranquear as confederações, que recebem mais ou menos dinheiro de acordo com seus feitos. 

Dentre estes critérios está a participação nos Jogos Olímpicos mais recentes. E no caso da Confederação Brasileira de Basquete, este critério atrapalha: o Brasil ficou de fora em todas as modalidades em Tóquio-2021. 

Em Paris, nas três oportunidades que teve até então, a modalidade também não conseguiu a classificação: caiu no Pré-Olímpico do 5×5 feminino e nos dois naipes do 3×3. 

O 5×5 masculino é a última esperança para gerar pontos neste item. Ainda que não seja dos mais valiosos (lista completa aqui), a modalidade não está em situação de recusar verba.

Em 2024, a verba proveniente da LAP foi de 225 milhões de reais. Quem teve a maior fatia deste bolo foi a Confederação Brasileira de Vôlei, com 12,2 milhões de reais. Em seguida vieram a ginástica (12 milhões) e desportos aquáticos (11,2 milhões).

A CBB foi a 18ª, com 5,9 milhões, atrás de modalidades menos populares, como wrestling e triatlo.

Ficar fora de Paris não irá mudar o patamar do basquete na divisão da renda em 2025 e anos seguintes. Pode, inclusive, perder posições para confederações que são candidatas a medalhas nos Jogos, como tiro com arco e esgrima, que atualmente estão atrás da CBB.

Se a “mera” participação nas Olimpíadas não é dos critérios mais valiosos, ficar no Top 8 e, principalmente, medalhar, garante um desempenho bem mais considerável. Caso avance na Letônia, o Brasil cairá no difícil grupo composto por França, Alemanha e Japão. Mas isso é assunto para um próximo texto, caso o passaporte brasileiro receba mais um carimbo.

Nem tudo é dinheiro

Uma verba maior naturalmente abre o leque de possibilidades para o trabalho em uma confederação. Mas de nada adianta ter um orçamento pomposo sem um bom trabalho de gestão.

E nesse ponto a Confederação Brasileira de Basquete até está melhor do que em anos anteriores, mas segue longe do ideal e muitos passos atrás de outras modalidades.

Por exemplo, em junho houve a disputa da Copa América sub-18 masculina e feminina. Os quatro primeiros colocados tinham vaga para o Mundial sub-19, que será disputado em 2025. 

Em ambos os naipes, a preparação foi curtíssima, de cerca de duas semanas, enquanto vários rivais treinaram por meses. No caso do masculino a situação foi ainda pior, com troca de treinador um mês antes do campeonato. Não à toa, apenas o feminino conseguiu vaga no Mundial.

Na disputa por atenção e popularidade, o grande rival do basquete é justamente o vôlei, que costuma liderar o ranking de distribuição do COB.

No início do mês, a CBV anunciou a renovação de um convênio, que começou ano passado, com o departamento francês de Moselle para a utilização de um moderno centro de treinamento entre os meses de maio a agosto até 2028 próximo à Metz. 

Se nos últimos anos os treinos das seleções, adultas e de base, ficaram restritos ao CT de Saquarema, no Rio de Janeiro, agora o intercâmbio com outros clubes e seleções será facilitado pela estadia europeia.

Assim, todas as categorias terão a possibilidade de enfrentar adversários do mais alto nível com mais facilidade, uma vez que parte dos custos, principalmente na logística pelo Velho Continente, além de alimentação e estadia, é bancada pela administração do CT. Há também, o potencial de aprimoramento maior, pelo fato da estrutura ter o que há de mais moderno à disposição da CBV.

Claro, cada um no seu quadrado. A CBV tem mais recursos e prestígio que a CBB, além do calendário da modalidade prever uma janela de seleções que dura vários meses, coisa que não ocorre no basquete. 

A CBB, porém, não se ajudou nas últimas décadas. Tanto que durante o período mais crítico, no meio da década passada, perdeu a Certidão Negativa de Débitos relativos a tributos federais e dívidas da União, o que inviabilizou, durante um tempo, que a confederação recebesse a verba do COB. Ainda hoje gasta tempo, energia e dinheiro, tentando organizar um campeonato adulto, que não faz frente ao Novo Basquete Brasil.

Em 2017 a entidade assinou um acordo junto à Prefeitura de Campinas para utilizar a Arena Concórdia como Centro de Treinamento da modalidade. O convênio durou dois anos. Depois disso, nada mais do tipo aconteceu. 

Que inveja.

O Pré-Olímpico

Nesta semana, 24 seleções disputarão quatro vagas nos Jogos de Paris, divididas em quatro grupos com seis integrantes cada. Cada grupo é composto por duas chaves de três seleções. As duas primeiras de cada chave avançam para a disputa da semifinal e final, ambas em jogo único. Apenas o campeão de cada grupo terá a vaga olímpica.

O grupo brasileiro será disputado em Riga, capital da Letônia. A Seleção divide a chave com Camarões e Montenegro. Na outra chave estão os letões, donos da casa, Geórgia e Filipinas. Todas as partidas do Brasil terão transmissão do ESPN e Disney+.

02/07 – Terça-feira – Brasil x Montenegro – 09h30

04/07 – Quinta-feira – Brasil x Camarões – 13h00

06/07 – Semifinais – horário a definir

07/07 – Final – horário a definir

*Horário de Brasília

Dá ou não dá?

Mikhail Tal é, talvez, o nome mais famoso da história do esporte letão. Foi um enxadrista extremamente arrojado, de sacrifícios improváveis e jogo quase mágico. Seu estilo é venerado até os dias atuais por quem gosta de uma boa diversão ao tabuleiro. Um xadrez com alegria nas pernas.

Mikhail Tal - Negócios no Esporte
Fonte: Wikipedia

Campeão Mundial em 1960, quando a Letônia ainda fazia parte da União Soviética, o Mago de Riga também era um frasista invejável. Dentre vários de seus pensamentos, um dos mais famosos é:

“Você deve levar seu oponente para uma floresta escura profunda, onde 2 + 2 = 5, e o caminho que conduz para fora é largo o suficiente para apenas um.” 

Em suma, há de se ter um plano, ainda que dentro do caos.

“Saber uma forma de ganhar deles”.

Essa última frase tem outro autor. Saiu do treinador Aleksandar Petrovic, nas entrevistas anteriores ao Mundial de 2019. Ao dizer que teria como vencer a Grécia, e depois confirmar em quadra, limitando Giannis Antetokounmpo a uma atuação discreta, Petro foi de louco a gênio em poucos dias. Também surpreendeu no ano seguinte, ao vencer muito bem a Croácia no Pré-Olímpico para Tóquio.

Os dois triunfos elevaram a moral da torcida, que passou a acreditar em vitórias contra quaisquer adversários. Mas a decepção veio à cavalo, trajando uniformes checos e alemães. 

No último ciclo, com Gustavo De Conti no comando da seleção, a vitória contra o Canadá no Mundial asiático também foi surpreendente.

O ponto é que o Brasil é competitivo. Na prática, consegue vencer qualquer seleção do mundo, com exceção aos Estados Unidos. Mas não tem a qualidade, gestão e a regularidade para fazer isso sempre. O tiro tem que ser preciso. Na maior parte das vezes, inclusive, a amarelinha não é favorita, mas dá jogo. Na Letônia, possivelmente contra os donos da casa, a situação será a mesma.

Na primeira fase, Camarões, sem seus principais atletas, não deve ser um grande desafio. Montenegro é mais encardido, mas está bem desfalcado por lesões. O Brasil tem boas condições de vitória.

A tendência, em seguida, é encarar a Geórgia. Também é um time duro, muito físico e muito alto. Mas bem possível de vencer. 

Seguindo a lógica, o desafio final será a seleção grená, empurrada por uma torcida fanática. A ausência de Porzingis significa apenas que o grupo é o mesmo que terminou o Mundial em quinto lugar – batendo o Brasil, inclusive. 

Ou seja, pedreira. Vitória brasileira seria uma zebra, ainda mais levando em conta a troca de técnico às vésperas da competição, dois armadores voltando de lesão e bom nível dos adversários europeus (não tem mais bobo, amigo).

Fato é que de surpresas o esporte e o basquete brasileiro entendem. 

Em 1975, na Espanha, no torneio de Las Palmas, o citado Mikhail Tal, grande nome da competição, perdeu uma histórica partida logo na segunda rodada. O adversário era ninguém menos que Henrique Mecking, o Mequinho, maior enxadrista brasileiro de todos os tempos. 

O moral ficou elevado. No auge de sua forma, parecia que Mequinho poderia vencer qualquer adversário. E podia. Mas não todos. Perdeu na penúltima rodada para o iugoslavo Llubomir Ljubojevic, que defendia o título. Terminou com o vice.

Mequinho - Negócios no Esporte