O Campeonato Mineiro – bem como qualquer outro Estadual – costuma ser criticado por estrangular o calendário, por alimentar polêmicas entre rivais, e por, supostamente, não valer nada. Mas, em 2022, goste ou não, a final em jogo único deu novos contornos e emoção à competição. Do entretenimento ao retorno financeiro.  

O fechamento da edição em apenas uma partida, com a rara divisão por igual dos rivais nas arquibancadas, alimentou um sentimento nunca antes vivido pelo torcedor mineiro. Tudo poderia ter acabado em pênaltis, ou o pior tecnicamente poderia ter vencido o melhor.  

Tal qual fazem Uefa e Conmebol, na Champions League e Libertadores, respectivamente, a Federação Mineira de Futebol (FMF) tomou as rédeas de organização da disputa final, o que fez toda a diferença. E os planos começaram a dar certo com a confirmação do maior clássico de Minas na final, algo que não acontecia há três anos. O tapete estava estendido. 

A iniciativa inédita conseguiu, ainda que parcialmente, satisfazer o bolso dos clubes finalistas. A arrecadação bruta chegou a R$ 4,8 milhões. Esse valor, sozinho, é maior do que a arrecadação somada das duas partidas finais dos Campeonatos Mineiros de 2013 para cá (veja abaixo a renda bruta de todos os jogos). As despesas, no entanto, foram muito altas, restando pouco mais de R$ 932 mil para cada clube. 

Embora tenha sido o único a discordar no conselho técnico e, posteriormente, reclamar de não ter uma vantagem na finalíssima, o Atlético fez valer seu poderio, venceu o Cruzeiro por 3 a 1 e levou o tricampeonato, algo que não acontecia desde os anos 80. Focado nos objetivos, o técnico El Turco Mohamed colocou em campo o que tinha de melhor, mesmo com uma viagem desgastante à Colômbia nos dias seguintes, para jogo pela Libertadores.  

Vale lembrar, também, que o Campeonato Mineiro não distribui premiação. O dinheiro dos direitos de transmissão é rateado proporcionalmente entre os clubes antes do início da disputa. 

E para quem desdenha do “Campeonato Rural”, como a competição já chegou a ser chamada pejorativamente, a festa de jogadores, comissão técnica, diretoria e familiares provou o contrário. E ainda teve o lado derrotado comemorando. Como pode? Era a prova de paixão e de esperança dos cruzeirenses para com o seu clube do coração, cujo futebol, no modelo de Sociedade Anônima do Futebol, está em fase final de aquisição pelo ídolo Ronaldo Fenômeno. 

Foi uma cena inédita na história do Mineirão: as duas torcidas, divididas meio a meio, festejando ao mesmo tempo após o apito final. Cada qual com seus motivos. Até vimos cenas parecidas na final da Copa do Brasil de 2014, quando o Galo se sagrou campeão e o Cruzeiro ainda festejava o bicampeonato brasileiro, conquistado no fim de semana anterior. Mas, na ocasião, os atleticanos tinham apenas 10% da ocupação do estádio, conforme previsto em regulamento. 

Tão comum no antigo Gigante, a divisão igual de torcedores rivais virou raridade com o advento dos estádios mineiros reformados, o Novo Independência, pronto em abril de 2012, e o Novo Mineirão, reaberto no início de 2013. 

Final única - Campeonato Mineiro 2022 - Torcida - Lage e Portilho Jardim Advocacia e Consultoria
Foto: Ramon Bitencurt/ FMF

Essa foi apenas a terceira vez em nove anos que se ouviu a guerra de cânticos numa proporção igual de vozes no estádio da Pampulha. E talvez seja a última. Com a previsão de inauguração da Arena MRV, o estádio do Galo, em 2023, dificilmente veremos divisão por igual numa casa cujo dono não tem a obrigação ceder um espaço maior para a torcida adversária.  

E se lá não pode, por reciprocidade, o Cruzeiro também não vai aceitar o mesmo quando ele for mandante no Mineirão. Ou seja, na prática, um eventual clássico meio a meio só vai acontecer em caso de mando da Federação. Isso, no entanto, precisa ser aprovado novamente em arbitral, como aconteceu este ano. E, hoje, não há garantias nesse sentido. 

A decisão do Mineiro em jogo único deixou a FMF livre para promover o espetáculo a seu gosto, sem privilegiar um dos dois finalistas. Embora ainda haja resistência ao formato, a decisão de 2022 provou, ao aplicar conceitos de entretenimento a um torneio “batido”, que a fórmula do jogo único pode funcionar bem se for adaptada adequadamente.  

A disputa local, no fim das contas, ganhou um status nunca antes visto. Com direito a envelopamento visual, show antes do jogo e durante o intervalo, música tema, patch especial para as camisas, mascotes em cada lado do campo, contagem regressiva no telão e bola personalizada, a final do Mineiro se supervalorizou. Quem esteve no estádio vivenciou. Quem acompanhou pela TV percebeu. E não há segredo: um produto melhor vale mais, mesmo sendo um campeonato estadual. 

2022: Final única 
Resultado  Atlético 3 x 1 Cruzeiro 
Local  Mineirão 
Arrecadação total  R$ 4.851.600,00  

2021: Sem público

2020: Sem público

2019  
1º jogo  
Resultado  Cruzeiro 2 x 1 Atlético 
Local  Mineirão 
Arrecadação  R$ 1.944.768,00 
2º jogo  
Resultado  Atlético 1 x 1 Cruzeiro 
Local  Independência 
Arrecadação  R$ 1.206.669,00 
Arrecadação total  R$ 3.151.437,00  

2018 
1º jogo 
Resultado Atlético 3 x 1 Cruzeiro 
Local Independência 
Arrecadação R$ 580.025,00 
2º jogo 
Resultado Cruzeiro 2 x 0 Atlético 
Local Mineirão 
Arrecadação R$ 1.610.673,00 
Arrecadação total  R$ 2.118.698,00  

2017 
1º jogo 
Resultado Cruzeiro 0 x 0 Atlético 
Local Mineirão 
Arrecadação R$ 1.615.551,00 
2º jogo 
Resultado Atlético 2 x 1 Cruzeiro 
Local Independência 
Arrecadação R$ 1.602.000,00 
Arrecadação total  R$ 3.217.551,00  

2016 
1º jogo 
Resultado América 2 x 1 Atlético 
Local Independência 
Arrecadação R$ 229.085,00 
2º jogo 
Resultado Atlético 1 x 1 América 
Local Mineirão 
Arrecadação R$ 1.228.935,00 
Arrecadação total  R$ 1.458.020,00  

2015 
1º jogo 
Resultado Atlético 0 x 0 Caldense 
Local Mineirão 
Arrecadação R$ 2.387.910,00 
2º jogo 
Resultado Caldense 1 x 2 Atlético 
Local Dilzon Melo (Varginha) 
Arrecadação R$ 733.215,00 
Arrecadação total  R$ 3.121.125,00  

2014 
1º jogo 
Resultado Atlético 0 x 0 Cruzeiro 
Local Independência 
Arrecadação R$ 697.225,00 
2º jogo 
Resultado Cruzeiro 0 x 0 Atlético 
Local Mineirão 
Arrecadação R$ 2.322.068,00 
Arrecadação total  R$ 3.019.293,00  

2013
1º jogo 
Resultado Atlético 3 x 0 Cruzeiro 
Local Independência 
Arrecadação R$ 704.210,00
2º jogo 
Resultado Cruzeiro 2 x 1 Atlético 
Local Mineirão 
Arrecadação R$ 1.840.710,00
Arrecadação total  R$ 2.544.920,00


Este é o segundo artigo escrito por um convidado do blog. Confira a publicação anterior que fizemos nesses moldes, sobre a Euro 2020 e os sinais da atualidade.

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*Foto: Daniel Teobaldo /FMF

Thiago Nogueira

Thiago Nogueira

Bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo pela PUC Minas e pós-graduando em Negócios no Esporte e Direito Desportivo pelo CEDIN. Tem 15 anos de experiência em jornalismo esportivo. Participou das coberturas das Copas do Mundo de 2014 e 2018 e dos Jogos Olímpicos de 2016 pelo jornal O Tempo, de Belo Horizonte. Vencedor do Prêmio Vladimir Herzog de Jornalismo (2012).