O Pleno do Tribunal de Justiça Desportiva de Rondônia (TJD/RO) reverteu uma decisão da 1ª Comissão Disciplinar em processo que trouxe interessantes discussões sobre tipos de punições de suspensão e sobre a forma de cumprimento dessas punições. Os argumentos da decisão seguiram o entendimento delineado em parecer emitido pelo Lage e Portilho Jardim.

O caso é o seguinte: o atleta Yan Philippe Nunes Nascimento foi expulso durante uma partida ocorrida em 05/05/2021, válida pelo Campeonato Rondoniense de 2021. Na partida seguinte, ocorrida em 09/05/2021, o atleta não atuou; houve, portanto, o cumprimento da sanção que é consequência direta da aplicação do cartão vermelho, a chamada “suspensão automática”.

Na partida seguinte, em 12/05/2021, o atleta não foi relacionado.

Em 13/05/2021, o atleta foi julgado no TJD/RO e apenado com uma suspensão de dois jogos.

Chegamos a 2022, com o atleta tendo atuado nas duas primeiras partidas do Campeonato Rondoniense, ocorridas em 06/03/2022 e 12/03/2022. O quadro a seguir ajuda a visualizar melhor a linha do tempo:

Data05/05/202109/05/202112/05/202113/05/202106/03/202212/03/2022
OcorrênciaExpulsão do atleta durante partida.Cumprimento da suspensão automática em decorrência da aplicação do cartão vermelho.Atleta não foi relacionado para partida.Sessão de julgamento na qual foi aplicada a pena de suspensão de 2 (dois) jogos, acrescida de multa pecuniária.1ª partida subsequente à data do julgamento, na qual o atleta atuou.2ª partida subsequente à data do julgamento, na qual o atleta atuou.

Nesse cenário, duas posições sobre a regularidade do atleta na partida do dia 06/03/2022 foram debatidas no julgamento:  

1ª) o atleta não estaria irregular, já que teria cumprido a penalidade nos dias 09/05/2021 (suspensão automática decorrente da aplicação do cartão vermelho) e 12/05/2021 (partida na qual não foi relacionado em súmula); e  

2ª) o atleta estaria irregular, já que a contagem para auferir o cumprimento das sanções se inicia após o julgamento no Tribunal (este ocorrido em 13/05/2021). 

A 1ª Comissão Disciplinar do TJD/RO adotou a 1ª posição e considerou que o atleta havia atuado de forma regular no dia 06/03/2022. O acórdão da decisão pode ser encontrado no Instagram do Tribunal, que você poderá acessar neste link

No parecer, Lage e Portilho Jardim sustentou entendimento diferente: o atleta atuou de forma irregular na partida do dia 06/03/2022. 

Tal entendimento é sustentado na premissa de que não há que se falar no cumprimento de uma sanção que nem ao menos existia. 

Para analisar a tese sobre a regularidade do atleta na partida do dia 06/03/2022, é preciso examinar a redação do artigo 171, §1º, do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (“CBJD”): 

Art. 171. A suspensão por partida, prova ou equivalente será cumprida na mesma competição, torneio ou campeonato em que se verificou a infração. 

§ 1º Quando a suspensão não puder ser cumprida na mesma competição, campeonato ou torneio em que se verificou a infração, deverá ser cumprida na partida, prova ou equivalente subsequente de competição, campeonato ou torneio realizado pela mesma entidade de administração ou, desde que requerido pelo punido e a critério do Presidente do órgão judicante, na forma de medida de interesse social. 

O artigo é claro quando fala que a suspensão deve ser cumprida nas partidas subsequentes ao cometimento da infração. Isso impede que o clube ou atleta escolham as partidas em que vão cumprir a punição, o que seria grave afronta ao princípio da paridade de armas. 

Para a aplicação correta das penalidades previstas no CBJD, contudo, é necessário que, antes, seja completada uma primeira etapa no julgamento desportivo: a verificação da ocorrência de uma infração disciplinar. 

A aplicação de uma sanção pelo Tribunal e seu consequente cumprimento pressupõem, portanto, que uma conduta tenha sido previamente considerada típica, antidesportiva e culpável, requisitos impostos pelo artigo 156 do CBJD[1] para a configuração de uma infração disciplinar desportiva.  

Ultrapassado esse momento, passa-se à fixação da pena, que deve, então, ser posteriormente cumprida pelo infrator.  

Logo, não há de se falar do cumprimento de uma pena em momento anterior àquele da aplicação desta pelo Tribunal durante a sessão de julgamento

O que se observa no caso é que não se sustenta a tese de que a escalação do atleta para atuar na partida do dia 06/03/2022 seria regular pelo fato de ele, supostamente, já haver cumprido a sanção de suspensão nos dias 09/05/2021 e 12/05/2021, uma vez que a sessão de julgamento ocorreu em data posterior, em 13/05/2021. 

Novamente: não há que se falar no cumprimento de uma sanção que nem ao menos existia. 

A sanção aplicada pelo Tribunal na sessão de julgamento ocorrida no dia 13/05/2021 só poderia ser cumprida, obviamente, em data posterior, já que antes disso a conduta do atleta não havia sido reconhecida pelas autoridades competentes como típica, antidesportiva e culpável. 

A propósito, o artigo 133 do CBJD prevê que os efeitos dos julgamentos nos Tribunais desportivos somente produzem efeito a partir do dia seguinte à proclamação das decisões[2]

A conclusão lógica é a de que o atleta deveria ter cumprido a sanção nos dias 06/03/2022 e 12/03/2022. Como não o fez, o clube que o escalou infringiu o artigo 214 do CBJD[3], que pune aquele que inclui na equipe atleta em situação irregular. 

Além disso, o clube também infringiu o artigo 223 do CBJD[4], que pune aquele que deixa de cumprir decisão da Justiça Desportiva.  

De forma unânime, porém, a 1ª Comissão Disciplinar entendeu que o atleta já havia cumprido a sanção antes mesmo do julgamento que reconheceu o cometimento da infração. O acórdão fez alusão à prisão preventiva para afirmar que “se a pessoa que cometeu o crime responder o processo preso, ao final do devido processo legal, esse tempo que esteve preso vai ser detratado de sua pena”. Cita, ademais, o artigo 42 do Código Penal, que prevê que “computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior”. 

Ocorre que essa analogia, com o devido respeito aos entendimentos em sentido contrário, não se sustenta, já que a prisão preventiva deve ser decretada por ordem judicial fundamentada, por força dos princípios da jurisdicionalidade e da motivação. 

Nas palavras de Aury Lopes Jr.[5], especificamente em matéria das prisões cautelares, “são [esses] princípios que permitirão a coexistência de uma prisão sem sentença condenatória transitado em julgado com a garantia da presunção de inocência”, o que se liga à garantia constitucional do devido processo legal, sem o qual ninguém pode ser privado de sua liberdade ou de seus bens (artigo 5°, LIV, da Constituição Federal).  

Não cabe a correspondência com a prisão preventiva, desse modo, se não houve uma determinação do TJD/RO para que o atleta cumprisse a sanção antes do julgamento do dia 13/05/2021. 

Como mencionado, o Tribunal Pleno do TJD/RO reformou a decisão e seguiu o entendimento do parecer emitido pelo Lage e Portilho Jardim. Destaca-se, no acórdão, uma interessante observação do Auditor Relator, salientando que o entendimento da 1ª Comissão Disciplinar (de que seria possível o cumprimento da sanção antes do julgamento) permitiria que os clubes escolhessem as partidas nas quais cumpririam suas sanções, criando uma espécie de “banco de partidas”: 

Nota-se, que da mesma forma que a suspensão automática pela punição com cartão, sejam de acúmulos de amarelos ou de vermelho, taxativamente enseja que seu cumprimento se dê na partida imediatamente subsequente, a punição pelo cometimento da infração somente passa a ter aplicabilidade quando existente no mundo jurídico, e daquele dia em diante deve ser cumprida, ou seja, da proclamação do resultado pela corte competente, conforme artigo 133 do CBJD. 

Sequer seria possível imaginar a quantidade de hipóteses criadas para tentar estabelecer verdadeiros “bancos de partidas” para atletas e clubes se utilizarem quando punidos fossem, não há qualquer respaldo legal que lhes permitam isto, pois é depois de fixada a pena que há a possibilidade de seu cumprimento, e não em momento anterior ao julgamento pela corte competente. 

A decisão do Tribunal Pleno do TJD/RO foi importante para solidificar um entendimento sobre a forma de cumprimento das sanções aplicadas pelos Tribunais desportivos. Ressalte-se que tal decisão está sujeita a recurso ao Tribunal Pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). 


[1] Art. 156. Infração disciplinar, para os efeitos deste Código, é toda ação ou omissão antidesportiva, típica e culpável. § 1º A omissão é juridicamente relevante quando o omitente deveria e poderia agir para evitar o resultado. (AC). § 2º O dever de agir incumbe precipuamente a quem: (AC). I – tenha, por ofício, a obrigação de velar pela disciplina ou coibir a prática de violência ou animosidade; (NR). II – com seu comportamento anterior, tenha criado o risco da ocorrência do resultado.

[2] Art. 133. Proclamado o resultado do julgamento, a decisão produzirá efeitos imediatamente, independentemente de publicação ou da presença das partes ou de seus procuradores, desde que regularmente intimados para a sessão de julgamento, salvo na hipótese de decisão condenatória, cujos efeitos produzir-se-ão a partir do dia seguinte à proclamação.

[3] Art. 214. Incluir na equipe, ou fazer constar da súmula ou documento equivalente, atleta em situação irregular para participar de partida, prova ou equivalente. (Redação dada pela Resolução CNE nº 29 de 2009). PENA: perda do número máximo de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e multa de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais). (NR).

§ 1º Para os fins deste artigo, não serão computados os pontos eventualmente obtidos pelo infrator. (NR).

§ 2º O resultado da partida, prova ou equivalente será mantido, mas à entidade infratora não serão computados eventuais critérios de desempate que lhe beneficiem, constantes do regulamento da competição, como, entre outros, o registro da vitória ou de pontos marcados. (NR).

§ 3º A entidade de prática desportiva que ainda não tiver obtido pontos suficientes ficará com pontos negativos.

§ 4º Não sendo possível aplicar-se a regra prevista neste artigo em face da forma de disputa da competição, o infrator será excluído da competição. (NR).

[4] Art. 223. Deixar de cumprir ou retardar o cumprimento de decisão, resolução, transação disciplinar desportiva ou determinação da Justiça Desportiva.

[5] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 15ª Edição. São Paulo. Saraiva Educação. 2018.