Em nossa entrevista com o Bola Presa, tratamos do pico de popularidade vivenciado pela NBA no Brasil. Mas não é só o basquete praticado na maior liga do mundo que o fã da modalidade vem consumindo cada vez mais por aqui.

Sim, quando se trata de basquete, o nosso país tem a sua própria história recente de sucesso dentro das quadras e no universo dos negócios no esporte.

Estamos falando do NBB, que acabou de entregar ao público o seu Jogo das Estrelas 2022. A partida reuniu, no Rio de Janeiro, os atletas de maior destaque no basquete brasileiro.

Além disso, o final de semana de eventos promoveu torneios individuais (de habilidades, arremessos de 3 pontos e enterradas), show musical (com a bateria da Unidos da Tijuca), homenagem ao ídolo e multicampeão Marcelinho Machado e ativações exclusivas feitas pelos patrocinadores da liga, que tem o apoio da Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania e é parceira oficial da NBA.

De fato, os êxitos esportivos e comerciais do NBB são inegáveis. Porém, o cenário era sombrio quando os primeiros capítulos dessa vitoriosa trajetória foram escritos há cerca de 15 anos.

Quer saber mais? Então venha conosco nesta entrevista que fizemos com Kouros Monadjemi, primeiro Presidente da Liga Nacional de Basquete (LNB), função que exerceu entre 2008/2012 e 2018/2020, e um dos grandes responsáveis por construir os alicerces que permitiram ao basquete brasileiro alcançar o patamar no qual ele se encontra atualmente.

Formado em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais e em Economia pela Universidade Livre de Bruxelas, Kouros tem um MBA pela Universidade de Columbia e é o atual Presidente do Conselho Deliberativo do Minas Tênis Clube, que também presidiu entre 2002 e 2007.

Ex-atleta de futsal e basquete (atuou pelo Minas de 1958 a 1971), o nosso entrevistado é também membro do Comitê de Clubes de Competição da Federação Internacional de Basquete (FIBA) e da Basketball Champions League.

Confira!

Kouros Monadjemi - Lage e Portilho Jardim Advocacia e Consultoria
Kouros Monadjemi. Imagem do site da LNB.

Blog: Como uma figura central na concretização da parceria entre a LNB e a NBA, formalizada em 2014, qual é o seu diagnóstico dessa empreitada depois de quase 7 anos e meio? Estamos aquém, além ou na média das expectativas?

Kouros: Para mim, a parceria com a NBA foi uma surpresa muito grande. Eu gostaria de dar certos detalhes para ilustrar como é a vida dos negócios… Estranhei, no início, o interesse da NBA pelo NBB.

Embora tendo sido, por muito tempo e até a década de 90, o segundo esporte mais visto no Brasil, inclusive com os feitos históricos de dois campeonatos mundiais (1959 e 1963) e um campeonato panamericano (1987), o basquete aqui estava no fundo do poço, pois havia muita briga e divisões. A má gestão levara o basquete a diminuir de tamanho. Pararam de tratar o esporte de maneira adequada e o vôlei, com uma gestão mais profissional, tomou conta, perdendo somente para o futebol no interesse do público.

Algum tempo depois de nós fundarmos a LNB e lançarmos o NBB, conseguindo unir os clubes em prol dos interesses comuns, a NBA, que, em 2012, havia instalado o seu escritório no país, se aproximou e quis conversar. Fiquei me perguntando o porquê de a NBA, maior liga do mundo, querer fazer uma parceria com o NBB, que acabara de ser criado e buscava se consolidar. Aí você vê que nada é feito sem planejamento, sem visão e sem ousadia…  

Ao longo das conversas, a NBA foi muito franca e direta: cerca de 85% do faturamento bilionário da liga ao redor do mundo vêm de mídia, graças ao patamar de atratividade do produto, e o basquete sempre foi um veículo importante para lançar moda entre os jovens nos países em que ele está presente.

Quem usa boné de lado, camiseta regata, brinco na orelha, calção até o joelho e tênis estilizado faz isso graças ao basquete, e não graças ao vôlei ou à natação! Então, visualizando isso, a NBA tinha no Brasil um grande mercado consumidor em potencial. E essa percepção tem se provado correta.

Eles me disseram: “o único país em cujo mercado não conseguimos entrar para valer foi o Brasil, que tem mais de 200 milhões de habitantes e tinha o basquete como o segundo esporte mais popular, algo que vocês perderam. A NBA quer ajudar vocês a massificar o basquete no país. Se o basquete crescer, a NBA irá crescer. Nós ganhamos dinheiro e vocês ganham dinheiro”. E assim foi.

Fizemos a parceria, viajamos várias vezes aos Estados Unidos com os clubes brasileiros, vimos a gestão e aprendemos muito. Com isso, o NBB deu um salto enorme e temos o nome da NBA ligado ao NBB, o que é extremamente proveitoso para patrocínios e outros aspectos comerciais. As expectativas foram atingidas e talvez superadas dos dois lados.       

Blog: Em uma live realizada em agosto de 2020, o Arnon de Mello, hoje Vice-Presidente Sênior da NBA para a América Latina, mencionou que um dos obstáculos para a formalização da parceria era o rigor da NBA em relação a exigências jurídicas e demonstrações de conformidade com políticas de compliance, algo que foi bem superado pela LNB ao longo dos procedimentos de due diligence. Como a LNB se preparou nesse sentido para conseguir avançar nas negociações com a NBA?

Kouros: Vou te contar essa história, que é bem interessante. Tudo começou no ano de 2007, em Las Vegas, onde nós estávamos acompanhando o pré-olímpico masculino de basquete em que o Brasil, com um bom time, foi derrotado pela Argentina e, em seguida, acabou ficando de fora das Olimpíadas de Pequim[1]. Naquele momento, em que todos estavam com raiva e metendo o pau, eu disse: não adianta esbravejar; os clubes têm que se unir, conversar e buscar um destino para o basquete.

Veja bem: eu não tenho nada contra a Confederação, que é necessária para comandar e estruturar o esporte dentro de um sistema de entidades internacionais e entidades nacionais afiliadas. Contudo, a participação direta e ativa dos clubes nas decisões pertinentes ao esporte é fundamental para que o sistema funcione adequadamente.

No Brasil, o que eu vejo que está errado é que são as escolas, e não os clubes, que deveriam massificar o esporte. Clube já é um funil, um degrau a mais. A massificação tem de ser nas escolas! Nosso país está na contramão nesse sentido, sendo que a matéria de educação física, apesar de ser componente curricular obrigatório da educação básica, é apenas facultativa para os alunos.

O que me preocupa é que os clubes são formadores, mas a quantidade de atletas formados é insignificante perto do todo, perto da massificação da prática esportiva que as escolas deveriam prover. O Minas, por exemplo, tem aproximadamente 18.500 alunos, dos quais quase a metade é de crianças e adolescentes, um número muito expressivo. Porém, esse contingente é insignificante quando se analisa o tamanho da população do país. Isso está errado!

Os clubes remam contra a maré e tentam fazer a sua parte, só que têm menos voz ativa junto às Confederações do que deveriam. O que as Confederações dizem, basicamente, é: vocês elegem o Presidente da sua federação local e ele é quem será o seu representante nas discussões. E a coisa para por aí, ficamos nesse círculo vicioso.

Eu acho que esse sistema tem que mudar. Devem existir ligas, participação das escolas, competições estudantis com apoio governamental de uma forma sistemática… Quanto mais esporte você tiver, melhor! Não deveríamos ficar presos às Confederações, mas elas, no mais das vezes, não aceitam isso muito bem.

Fecho esses parênteses e volto à sua pergunta. Quando os clubes se reuniram, um dos grandes obstáculos e reclamações era não sabermos quais contratos a Confederação havia firmado. A Confederação só dizia que os contratos incluíam as Federações, as seleções e tal, não havia abertura e participação. Com a ressalva de obrigações de confidencialidade, precisaria haver um diálogo maior entre Confederações e clubes, entre Confederações e ligas.

Ao fundarmos a LNB, montamos uma organização associativa, um coletivo que incluía aqueles que tinham capacidade financeira, pessoal qualificado e estrutura física para poder participar de uma competição de alto nível. Todos os detalhes de orçamento, patrocínio e direitos de transmissão e mídia passaram a ser discutidos e votados, com um corpo executivo que cumpria aquilo que fora aprovado. E entrávamos nas minúcias.

Quando a NBA contratou um escritório de advocacia brasileiro para orientá-la nessa aproximação com a LNB, o clima que havia era uma espécie de alerta geral aos representantes dos norte-americanos: “tomem cuidado, pois o esporte no Brasil passa por problemas muito sérios”. Aí eles vieram com os dois pés atrás, pedindo informações altamente detalhadas.

Com o tempo, foram vendo que atendíamos todos as exigências e que, em relação ao NBB, estávamos totalmente limpos e atuando corretamente. Se para eles essa conformidade foi uma surpresa, para nós não foi, pois havíamos nos organizado e éramos cobrados e exigidos internamente, nessa estrutura de liga, tudo feito pelos próprios clubes. É assim que as coisas funcionam.

Em resumo, fizemos uma reunião depois de Las Vegas e, com a competência dos envolvidos na fundação da LNB, redigimos o estatuto e lançamos a pedra fundamental. Na sequência, quem nos procurou foi a Globo.              

Varejão e Leandrinho - Lage e Portilho Jardim Advocacia e Consultoria
Varejão e Leandrinho. Imagem do site do Globo Esporte.

Blog: Você já comentou em outras oportunidades que os dois principais marcos históricos para o sucesso do NBB foram, justamente, a aproximação com a NBA, sobre a qual já falamos, e a parceria comercial com a Globo. Um tema que une esses dois marcos é o modelo de transmissão multiplataforma. O que falta para que esse modelo, que é decisivo para o sucesso das transmissões no mundo de hoje, esteja consolidado no Brasil?

Kouros: Eu era vice-presidente na gestão do João Fernando Rossi, que tem uma visão de tecnologia muito apurada. A gestão dele coincidiu com o fim do contrato de 10 anos com a Globo. Nós queríamos continuar. A Globo nos fez uma proposta que não agradou, pois já tínhamos o entendimento do que a NBA fazia e queríamos ir além da forma mais tradicional de transmissão. Queríamos veicular o conteúdo em diversas plataformas.

Só que a insegurança existe até hoje. Com tanta concorrência em termos de entretenimento, para que lado a mídia está caminhando? Para alguns, ela está caminhando para o streaming e serviços OTT, mas o Brasil tem algumas particularidades. Quanta gente no Brasil ainda não possui computador ou celular? Ou que assiste novela e futebol no bar? Sim, a tendência são as transmissões multiplataforma. Porém, quanto tempo isso vai levar? Um ano? Vários anos?

Se você pergunta a um jovem se ele gosta de assistir jogo na televisão ou pelo celular ou computador, se comunicando com amigos e dando palpites, ele irá pela segunda opção. A resposta será diferente se você perguntar a um outro tipo de público.

O fato é que nós ousamos, mais uma vez. Como a proposta da Globo não nos pareceu adequada, inclusive por prever exclusividade e outros itens que nós entendíamos que não deveriam existir, fizemos uma contraproposta em que nós faríamos a produção e eles apenas distribuiriam o sinal. Eles não aceitaram. Aí conseguimos a Bandeirantes, a ESPN, o Facebook, o Twitter. E começamos a abrir.

Hoje, temos a transmissão na TV aberta, com a Cultura, e transmitimos pelo Youtube. Estamos repensando se devemos abrir ainda mais ou se devemos reduzir, estrategicamente, essa veiculação. Na temporada 2020/2021, foi feita uma experiência exclusiva oferecida por um patrocinador para transmissão pela Twitch. É um mundo muito dinâmico e precisamos estar constantemente reavaliando as opções e questionando o que funciona melhor para o público.

Blog: Em 2021, ampliando a parceria entre a NBA e a Budweiser, que já vinha transmitindo partidas da liga em seu canal no Youtube, o streamer Gaulês passou a veicular alguns jogos em seu canal na Twitch. A audiência cresceu cerca de 7 (sete) vezes em relação aos números que vinham sendo obtidos nas transmissões feitas pelo canal da cervejaria.

Iniciativas como essa são importantes para a massificação do produto. Por outro lado, até o final da atual temporada regular da NBA, uma das transmissões semanais em português no League Pass será feita pelo Bola Presa, que produz conteúdo para o nicho do fã de basquete há quase 15 anos.

Como você imagina que seja possível, para o NBB, produzir conteúdo que concilie essas duas realidades, atingindo uma base de novos consumidores e, em paralelo, alimentando quem já investe, há mais tempo, energia e recursos no basquete? Entra-se, aqui, no conceito de unidade com diversidade, que você prega tanto?

Kouros: Vou começar com um exemplo para mostrar que a ideia de unidade com diversidade funciona. Quando nós fizemos o contrato com a Globo, de 10 anos, nós demos a exclusividade da parte comercial para ela. E, por várias vezes, a NBA bateu na porta da Globo, querendo entrar. Eu participei de muitas reuniões com o Luiz Fernando Lima, então Diretor de Esportes da emissora, em que a NBA queria entrar e a Globo dizia: eu estou investindo no NBB; se eu abro para a NBA, eu vou matar o NBB.

Um dia eu falei ao Luiz Fernando: abra para a NBA, você não vai matar o NBB! A NBA faz basquete. O NBB faz basquete. Existe uma imensa diferença entre as duas ligas? Sim. Mas é basquete. Eu quero que o menino goste de basquete.

Não quero que ele goste do NBB. Na hora em que um menino de Franca gostar de basquete, ele irá adorar ver a NBA e, se perguntado sobre qual é o melhor basquete do mundo, ele irá responder que é a NBA. Porém, se perguntado sobre qual é o melhor clube do mundo, ele irá responder que é o Franca. É onde ele pode ir ao ginásio e interagir com o jogo. E, com isso, abriram-se as portas e as duas ligas estão explodindo no Brasil.

O jovem gosta de basquete. É um esporte emocionante, em que acontecem lances acrobáticos, é incrível…

A unidade com diversidade funciona. Eu não vejo nenhuma limitação. Basta que se tenha um foco. O foco do NBB é que o basquete volte a ser o segundo esporte do país. Para fazer isso, você tem de buscar a diversidade.

Eu quero que tenha basquete nas escolas, eu quero que tenha o basquete do NBB, eu quero que tenha o basquete da Confederação Brasileira de Basquete (CBB). Só que estamos de algum modo atrasados, bloqueados, com a CBB, por exemplo, não querendo que o NBB faça categorias de base. Como é que eu não vou fazer base se são os clubes que estão no NBB que fazem a formação de atletas? Não faz sentido.

Blog: A NBA tem como bandeira ser um produto de entretenimento que fornece conteúdo nos 365 dias do ano, independentemente do calendário da liga, com as movimentações da free agency, o draft e a presença dos atletas nas redes sociais.

Com a concorrência pesada do futebol, que domina a mídia no país, o NBB pode vislumbrar, de maneira realista, ocupar um espaço que não fique restrito ao período de disputa da competição? É possível conseguir isso sem a presença de grandes clubes do futebol, e suas torcidas, nesse movimento de massificação?

Projetos isolados, tocados por clubes que não se dedicam a esportes olímpicos e dependem exclusivamente do dinheiro de patrocinadores, ajudam ou não interessam ao modelo de negócios idealizado para o NBB?

Kouros: Nos Estados Unidos, você tem o futebol americano, que é paixão, o beisebol, que é paixão, o basquete, que é paixão. Uma coisa não exclui a outra. Esse é o nosso raciocínio. O fato de termos o futebol como paixão nacional não impede que outros esportes também o sejam. Depende do trabalho, da gestão que você faz.

Veja o que está acontecendo no mundo hoje, com grandes grupos empresariais interessados em adquirir clubes do futebol brasileiro. Para esses grupos, é barato vir aqui e pagar, porque eles enxergam que não sabemos fazer dinheiro e compram nossos produtos na baixa, com a ideia de torná-los muito mais valiosos no futuro. Isso é um business e dá dinheiro, mas temos um trabalho de organização pela frente para que o esporte cresça e produza tudo o que pode.

Em relação aos clubes de futebol como protagonistas no basquete, vale aquele ditado: quem não tem cão, caça com gato. É o nosso caso. Não quer dizer que seja o ideal, pois, a meu ver, um torcedor de futebol não necessariamente é um ativo. Ele deixa de ser um ativo para o basquete quando é agressivo, malcriado, xinga. O futebol, muitas vezes, não é um esporte para você levar a família. Não queremos que o basquete brasileiro seja assim. Há questões culturais envolvidas.

Outro problema é que, via de regra, os clubes de futebol tratam outros esportes sem dar a atenção e os recursos necessários. É só futebol, futebol, futebol. Um clube que quebrou esse tabu foi o Flamengo, que conseguiu isolar os esportes olímpicos da receita do futebol e está colhendo os frutos. Hoje, os chamados esportes especializados do Flamengo têm patrocínios próprios e conseguem estar blindados politicamente, não precisam tirar dinheiro do futebol para pagar despesas do basquete e nem cortar custos em outras áreas para verter para o futebol.

Temos, também, que respeitar a tradição, atraindo, preferencialmente, os clubes de futebol que já possuem um histórico na prática de esportes olímpicos. Projetos isolados de patrocinadores, que nascem com data para terminar, talvez mais nos atrapalhem do que nos ajudem.

Na ideia de unidade com diversidade, podemos, sim, buscar converter o torcedor de futebol em torcedor do basquete, usando grandes clubes para isso, sempre com a visão de massificar e tornar o basquete um produto rentável, mas sem perder a identidade.

Blog: O quanto o tratamento ainda amador que muitos clubes e entidades conferem ao basquete no Brasil já foi superado pelos resultados apresentados por um modelo de negócios bem-sucedido como o do NBB?

O perfil dos gestores e da governança dos clubes tem efetivamente mudado como um reflexo desses resultados ou isso fica restrito a um grupo muito pequeno de atores do mercado do basquete?

Kouros: Apesar de ainda estarmos longe do ideal, o sucesso do NBB tem, sim, refletido em uma maior qualificação das pessoas envolvidas com o esporte. E estamos preocupados com isso.

A LNB, por exemplo, contratou uma das maiores empresas de consultoria e auditoria do mundo, a EY (antiga Ernst & Young), para que ela faça um trabalho de estabelecer uma gestão adequada nos clubes que integram a liga, identificando pontos fracos e situações a serem corrigidas, de modo que eles estejam preparados para alcançar os objetivos de massificar o basquete e explorá-lo de maneira rentável.

Quem coloca dinheiro no esporte exige, cada vez mais, esse profissionalismo, mas muitos clubes ainda não enxergaram isso ou não conseguiram se livrar de amarras políticas ou antigos vícios administrativos. Os clubes precisam de ferramentas gerenciais que permitam tornar tangíveis, para um investidor, os indicadores de retorno sobre o investimento e retorno sobre os objetivos. E isso demanda uma maior qualificação daqueles que administram o esporte nos clubes.

Blog: Para falar apenas dos atletas brasileiros, Leandrinho e Thiago Splitter integram, hoje, comissões técnicas de franquias da NBA. Como ex-atleta, qual é a sua avaliação sobre as oportunidades, no Brasil, para quem já atuou dentro das quadras e pretende continuar envolvido com o basquete? A LNB possui algum programa voltado para oferecer formação ou perspectivas para o pós-carreira dos atletas?

Kouros: Temos tentativas nesse sentido, mas ainda não há nada consolidado. Nós até forçamos a criação da Associação dos Atletas e temos conversado com ela sobre seguros profissionais, o pós-carreira, conscientização, uma entidade que possa cuidar dos atletas e ajudá-los a pavimentar a vida depois do esporte etc, só que se trata de um esforço bem incipiente até agora.

Digo, novamente, que tentamos fazer nossa parte como liga, mas, por mais que a liga se envolva, isso é pouco perto do que o Brasil precisa. Precisamos do envolvimento do Comitê Olímpico, das Confederações, da Secretaria Especial do Esporte. Essa é uma demanda muito grande para que apenas a liga se preocupe com ela.     

Kouros e Silver - Lage e Portilho Jardim Advocacia e Consultoria
Kouros e Adam Silver (Comissário da NBA), em visita dos dirigentes da LNB aos escritórios da maior liga de basquete do mundo em 2016. Imagem do Bala na Cesta, no UOL.

Blog: O crescimento do esporte universitário seria muito importante para a continuidade da escalada do basquete no Brasil. Existe algum projeto da LNB para diminuir a distância entre a “academia” e os clubes e, consequentemente, entre a “academia” e a liga?

Kouros: Para ser sincero, ainda não, e isso é algo que eu lamento profundamente, ainda que a liga seja uma gota d´água em um oceano para fazer esse tipo de trabalho. Se não temos uma educação física obrigatória nas escolas e o esporte como algo essencial na vida do jovem, continuaremos na contramão do mundo. É irritante para mim que o país não pense dessa forma.

As parcerias que existem entre clubes e escolas ou universidades são sempre negociadas, só que teriam que acontecer de modo mais natural. Teriam que ser parte de uma política pública, de um ecossistema que fomentasse isso. A liga não tem como assumir tal responsabilidade, por mais que saibamos do problema.

Eu fui aluno de escola e universidades públicas e joguei por elas, sei o que isso representa para um jovem em termos de autoestima, formação de caráter, satisfação pessoal. Temos que lutar por isso na base, para que o esporte volte a ser algo de peso, mais valorizado nas escolas, principalmente para as populações carentes, e também nas universidades.

Blog: A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal aprovou, no último dia 23/02/2022, o PLS 68/2017, que institui uma nova Lei Geral do Esporte. A LNB, inclusive, participou da 1ª audiência pública e expôs, principalmente, a dificuldade para o registro de contratos de trabalho e a discrepância em relação à contribuição previdenciária incidente sobre salários de atletas de futebol e sobre salários de atletas de outras modalidades.

Além desses pontos, o que precisaria mudar na legislação desportiva brasileira para que exista um ambiente de negócios mais condizente com as necessidades do esporte contemporâneo?

Kouros: O Comitê Brasileiro de Clubes teve participação importante nesse debate. Eu apontaria duas frentes principais, as demais são consequências delas, na minha opinião.

A primeira, sobre a qual já falamos, seria a imposição de uma política pública de incentivo ao esporte nas escolas e universidades, com o governo facilitando a vida dessas entidades e obrigando-as, em contrapartida, a pensarem mais incisivamente na importância da atividade esportiva para o jovem. Isso geraria uma reação em cadeia.

A segunda é tratar o esporte de uma maneira mais unitária, sem considerar o futebol como algo diferente das demais modalidades. Quando você perdoa dívidas de clubes de futebol por força de lobby junto ao Congresso Nacional e não faz o mesmo para clubes de outras modalidades, impedindo que estes tenham certidão negativa para buscar recursos por meio da Lei de Incentivo, isso está errado.

Hoje, a Lei Pelé confere uma certa proteção no que se refere a contratos de trabalho e direitos de imagem, só que é fundamental estabelecer igualdade de tratamento para todos os esportes, algo que existe em outros países do mundo. A oportunidade está aí, na mão do nosso Poder Legislativo.


O aumento do número de fãs do basquete no Brasil, que já foi pauta aqui no blog, em nossa entrevista com o Bola Presa, vem acompanhado do crescimento do esporte como um todo. E isso certamente atrai novos olhares para o basquete, beneficiando atletas, torcedores e empresários, que movimentam o mundo dos Negócios no Esporte.

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*Imagem do site da LNB, no artigo sobre parceria com a NBA.

[1] O elenco da seleção brasileira, treinada por Lula Ferreira, tinha atletas com passagens relevantes pela NBA, como Leandrinho, Tiago Splitter, Nenê e Marcelinho Huertas, além de Marcelinho Machado, Guilherme Giovannoni, Alex Garcia, Marquinhos, Murilo Becker, Nezinho e JP Batista. O Brasil venceu Canadá (75 x 67), Venezuela (101 x 75), Ilhas Virgens (93 x 89), México (104 x 90) e Uruguai (96 x 62), mas perdeu para os EUA (76 x 113), para Porto Rico (75 x 79) e para a Argentina (79 x 86). Na semifinal contra os argentinos, em jogo que valia a vaga olímpica, perdeu por 80 x 91. Na decisão de 3º lugar, perdeu novamente para Porto Rico (107 x 111). Restava ainda uma última chance de classificação para os Jogos Olímpicos, na repescagem que seria jogada no ano seguinte em Atenas, na Grécia. Treinada pelo espanhol Moncho Monsalve, a equipe brasileira teve muitos desfalques e, embora tenha vencido o Líbano (94 x 54), perdeu para a Grécia (69 x 89) e para a Alemanha (65 x 78), que contava com o astro da NBA, Dirk Nowitzki.