Imagem disponível em: https://revistapegn.globo.com/Franquias/noticia/2019/04/nba-busca-empreendedores-no-brasil-para-criar-parcerias-de-negocios.html (foto Wander Roberto – Inova Foto)

Na temporada 2019/2020, a NBA foi destaque não apenas no noticiário esportivo.

Ainda em outubro de 2019, Daryl Morey, então General Manager do Houston Rockets, publicou no Twitter uma mensagem de apoio a protestos ocorridos em Hong Kong, inicialmente motivados por um polêmico projeto de lei que permitiria, sob certas condições, a extradição de suspeitos de crimes para serem julgados pelo governo chinês.

Isso desencadeou uma grave crise diplomática que culminou com repercussões negativas em mais de uma dúzia de contratos da NBA na China, dentre eles os contratos com a TV estatal e com o canal de streaming responsáveis pela transmissão das partidas.

Na sequência, em 11/03/2020, a NBA voltou a estar no centro das atenções quando se tornou a primeira grande liga profissional a ser interrompida em função da pandemia de COVID-19, em uma clara demonstração de que a crise era mesmo séria em todos os âmbitos. Foi ali que os olhos do planeta se abriram para o que viria adiante.

Meses depois, em 04/06/2020, o Conselho de Governadores da liga aprovou, por 29 votos a 1, a retomada da competição em uma “bolha” organizada nas instalações do Walt Disney World, em Orlando. Era a NBA propagando que, com muito investimento e rigorosos protocolos, o esporte profissional poderia ser retomado com relativa segurança para os envolvidos.

Já no final de julho de 2020, a “bolha da NBA” foi palco de inúmeras manifestações em apoio ao movimento Black Lives Matter, as quais continuaram ecoando para além das quadras.

Uma das figuras mais vocais das manifestações ocorridas ao longo da disputa na Flórida foi LeBron James, maior estrela do basquete mundial. Além de declarar que o movimento era um “estilo de vida” e de responder publicamente às críticas do ex-presidente norte-americano Donald Trump, LeBron liderou o Los Angeles Lakers ao 17º título da história da franquia, ainda bastante impactada pela trágica morte de Kobe Bryant em 26/01/2020, outro dos fatos que fizeram com que a NBA invadisse as vidas de pessoas que sequer acompanham o esporte.  

NBA - Lage e Portilho Jardim Advocacia e Consultoria
Arnon de Mello – O trabalho de consolidação da NBA no Brasil o credenciou a assumir os negócios da marca na América Latina. Próximas paradas: Argentina e Chile (Foto: Leonardo Wen – disponível em: https://epocanegocios.globo.com/Carreira/noticia/2016/07/nos-vamos-invadir-sua-quadra.html)

Como se vê, assim como para todos nós, os últimos meses foram bastante conturbados para a NBA. Mas no Brasil, ao contrário do que sugeriria o senso comum, a pandemia não prejudicou os negócios da liga.

Segundo o head da NBA em nosso país, Rodrigo Vicentini, uma pesquisa recente da consultoria Nielsen apontou um crescimento expressivo, em terras brasileiras, do número de fãs do “melhor basquete do mundo” na comparação entre 2019 e 2020, de 34,1 milhões para 41 milhões.

Se a NBA vivencia um pico de popularidade por aqui, refletido na parceria com a rede Cinemark e na inauguração de mais uma loja oficial (agora são oito), o reflexo natural é um aumento da cobertura da liga pela mídia esportiva nacional.

Porém, não é nos meios de comunicação tradicionais que você irá encontrar o conteúdo mais profundo e completo sobre a NBA em português. Quem ocupa esse posto é o Bola Presa, blog criado em 2007 pelos amigos Denis Botana e Danilo Silvestre. 

De hobby a principal ocupação de um jornalista (Denis) e de um professor de filosofia (Danilo), o Bola Presa vem crescendo de forma sólida especialmente desde 2015, amparado por um bem-sucedido programa de financiamento coletivo.

Nos últimos anos, além dos textos e de um podcast semanal que já conta com quase 300 episódios regulares (há também episódios especiais e episódios exclusivos para assinantes), o Bola Presa tem ganhado terreno no YouTube e possui o que qualquer marca ou instituição sonha em possuir: uma comunidade fiel e engajada de “consumidores”.

Convidamos o Bola Presa para conversar conosco sobre o atual momento da NBA e sobre os desafios enfrentados por quem se propõe a transformar em negócio a produção de conteúdo acerca de um esporte que, embora seja cada vez mais relevante no Brasil, ainda responde por uma parcela relativamente pequena do mainstream.

Confira como foi o nosso papo!

Blog: Estamos todos cansados de falar sobre a pandemia de COVID-19, mas trata-se de um assunto inevitável em qualquer análise que se faça sobre a última e sobre a atual temporada da NBA. Que leitura vocês fazem do crescimento do mercado consumidor da liga no Brasil mesmo em um cenário global de perda de receitas e incertezas na economia? Houve apenas a continuidade de uma expansão natural ou a conjuntura geral acabou colaborando para que isso acontecesse, com mais pessoas parando para acompanhar os jogos e os atletas?

Bola Presa: A pandemia tem sido bem difícil para todos e o esporte não é exceção, embora às vezes pareça. Ao contrário de outras áreas da sociedade e da economia, o esporte profissional conseguiu se adaptar para voltar a existir antes de muita coisa, seja com ou sem “bolhas”, mas sempre com muito dinheiro para testes e apoio da TV.

Não tenho acesso a dados da audiência da NBA no Brasil nesse último ano, mas a maioria dos eventos esportivos em todo o mundo teve uma queda de audiência nesse retorno. Talvez seja revolta com o fato de que deram um jeitinho de voltar mesmo quando não deviam, talvez as pessoas não estejam com cabeça ou paciência para esporte num momento tão dramático, mas vimos isso em números de basquete, futebol, futebol americano etc. Imagino que com a NBA no Brasil deva ter sido parecido, embora as métricas mais simples às quais temos acesso (nossa audiência, interações e seguidores com contas de NBA nas redes sociais) pareçam bem estáveis em relação ao último ano pré-pandemia.

Blog: É possível dimensionar o quanto o ativismo social de algumas das principais personalidades da NBA contribui ou prejudica os negócios da liga mundo afora?

Bola Presa: Eu chutaria que o ativismo social dos jogadores não influenciou em nada os negócios da NBA, mas acho que é cedo para saber. O primeiro grande evento pós-protestos foi uma aberração, uma “bolha” isolada e sem torcida numa época do ano em que nunca foi disputado basquete nos EUA antes. E isso tudo no meio de uma pandemia que estava ainda longe de acabar. Impossível medir de forma independente qualquer coisa nesse cenário, incluindo aí o impacto do ativismo dos atletas.

O meu palpite é que isso não afeta os negócios porque temos visto o ativismo social em muitos lugares, até onde não esperávamos. O que não faltam nos últimos anos são exemplos de grandes corporações realizando campanhas publicitárias inclusivas e cheias de discurso de justiça social. Muitas vezes é algo vazio, mas que responde a um anseio da sociedade por esse posicionamento. Então embora sempre exista muito barulho de crítica aos jogadores por se posicionarem, não parece que seja algo grande o bastante para um boicote do público, patrocinadores ou algo do tipo.

Blog: Relativamente à proteção de direitos de propriedade intelectual, o Bola Presa já enfrentou alguma resistência da própria NBA ao veicular, no blog ou nas redes sociais, conteúdos relacionados à liga? Se sim, como vocês se posicionaram e qual foi o desfecho?

Bola Presa: A NBA nunca ofereceu qualquer resistência a conteúdos sobre a liga. No YouTube, quando usamos vídeos de jogos para análises, o robô do site identifica que estamos usando imagens da NBA e nos dá um aviso de direitos autorais. O que fazemos é avisar, usando uma ferramenta do YouTube mesmo, que estamos dentro da regra de “uso aceitável” por se tratar de uma análise. Com exceção de dois vídeos (entre quase uma centena) em que esse argumento não foi aceito, em geral o vídeo é liberado e até podemos monetizá-lo.

Houve uma vez também, anos atrás, em que alguém em nome da Getty Images entrou em contato conosco ameaçando processo por estarmos usando algumas fotos deles em posts sem permissão. Apenas tiramos as imagens e o assunto morreu aí.

Blog: O Bola Presa já abordou, em textos e no podcast, as complexas regras salariais da NBA. Pensando em gerar equilíbrio competitivo e paridade entre as equipes de maiores e menores mercados, vocês acreditam que o modelo de negócios da liga seria replicável no Brasil?

Bola Presa: O modelo americano de franquias é tão específico deles que acho que seria difícil para qualquer lugar do mundo replicá-lo. Só o conceito de um milionário/bilionário ser DONO de um time já acho que causaria estranhamento em muitos lugares acostumados a ver clubes sociais, com suas eleições e conselheiros, comandarem as atividades.

Para um formato de liga franqueada funcionar é preciso que esse modelo seja fechado (30 times na NBA, por exemplo) e que todos os donos estejam de acordo. Fazer isso no futebol brasileiro significaria deixar muita gente de fora. E imagina o caos quando surgir uma nova chapa eleitoral em um clube grande que for contra o sistema de franquias. Não seria fácil.

Implementar um teto salarial seria quase impossível também. É só ver a falta de união dos clubes para discutir cotas de televisão… Imagina só criar restrições para igualar o poder de cada clube contratar. Ironicamente, só o maior capitalismo do mundo foi capaz de colocar em prática um sistema esportivo tão igualitário.

Blog: Ao longo dos anos, o Bola Presa já se envolveu em algumas estratégias comerciais, associando-se a parceiros e vendendo produtos próprios. Vocês buscaram alguma assessoria quando partiram para tais iniciativas? Que barreiras burocráticas encontraram na trajetória de transformar o blog em um negócio autossustentável?

Bola Presa: Nós tivemos assessoria por um curto período de tempo, de um amigo formado em Economia que já tinha trabalhado em consultoria por uns anos. Ele topou nos ajudar a nos organizar e a buscar alguns novos negócios, patrocínios etc. Durou pouco, mas ajudou.

Não encontramos tantas barreiras burocráticas para o blog/podcast virar um negócio, foram mais barreiras tecnológicas, comerciais e de uma certa “cultura de consumo” na internet.

A barreira comercial é por causa do nosso tamanho. Somos um blog de nicho, temos um número que considero alto de leitores-ouvintes-fãs, mas não é e acho que jamais será algo que atinge massas, com milhões de acessos, visualizações e cliques. Isso sempre inviabilizou qualquer parceria comercial. Entramos em contato e tivemos reuniões, no começo dos anos 2010, com empresas como a Centauro e a Adidas, mas o máximo que conseguimos foi uma parceria com a Adidas para nos ceder produtos da NBA para sorteios. Ajudou a engajar e agradar leitores, mas nunca virou dinheiro para nós. Outras empresas só viam nossos números e não achavam relevantes o bastante para investir em parcerias ou publicidade. Naquela época nem se falava em influenciadores de nicho, por exemplo.

A gente tinha apoio dos nossos leitores, que algumas vezes falavam em estar dispostos a pagar pelo Bola Presa, mas como? Não havia serviços disponíveis para isso além de, sei lá, um botão de doação do PayPal usando cartão de crédito internacional. Não era prático e nem queríamos doações, queríamos um modelo em que as pessoas pagassem, a gente oferecesse algo em troca e fosse recorrente.

Essa barreira caiu quando surgiu o Patreon nos EUA e depois outros serviços imitando o modelo por aqui. Acabamos optando pelo Apoia-se, por ser brasileiro, ter cobrança em real e via cartão de crédito nacional ou boleto. Depois mudamos para o PicPay Assinaturas e agora para o Hotmart Sparkle, que são variações do mesmo tema.

Existem tantas opções para uma mudança na cultura de consumo na internet… Há muitos anos, a internet era o lugar das coisas de graça, soava absurdo cobrar ou pagar por qualquer coisa, de notícias a textos opinativos. Só nos últimos anos é que isso foi mudando, com as pessoas reconhecendo que precisam pagar se quiserem que as coisas que elas gostem continuem vivas. Foi nosso argumento quando começamos até: já não somos mais tão jovens, temos trabalho e outras responsabilidades, não dá mais para manter só como um hobby. Se toparem nos ajudar, a gente segue nosso sonho, senão infelizmente teríamos que parar e dedicar nosso tempo para outras coisas. Se tivéssemos feito isso em outra época, não sei se teria dado certo, mas em 2015/2016 todos estavam não só cientes, mas felizes de apoiar projetos em que acreditavam.

Antes das assinaturas e além de tentativas frustradas de anúncios, apostamos também em camisetas do Bola Presa como uma fonte de renda. Camisetas personalizadas já foram moda na internet também e pareciam bem fáceis de fazer. Tentamos um pouco de tudo: no começo fizemos sob demanda, por conta própria, fazendo um modelo por mês com fornecedores que encontramos no Brás, em São Paulo. Funcionou até, mas dava muito trabalho e foi bem difícil encontrar um bom fornecedor, quando um parecia bom, a qualidade despencava no mês seguinte.

Também fizemos parcerias com lojas. Na primeira vez tudo parecia legal, mas a loja não era das melhores e acabou fechando. Na segunda, tivemos nossa melhor qualidade de produto, mas tínhamos que fazer muita coisa, como pagar antes por estoque e realizar as entregas, o que se tornou inviável na pandemia. Agora temos uma nova parceria, com a Caphead, que é no formato ideal para a gente: cedemos nosso logo, ajudamos com estampas e promovemos elas entre nossos leitores e ouvintes. Em troca, a loja, além de levar sua parte, cuida da produção e envio. Cortamos nossa margem de lucro, mas pelo menos não lidamos com uma área que não conhecemos e poupamos nosso tempo também.

No começo, a ideia das camisetas era ser uma fonte real de renda, por isso éramos mais ambiciosos também, hoje vemos como apenas um complemento em relação ao que ganhamos com as assinaturas.

Blog: O financiamento coletivo é um caminho sem volta para viabilizar uma cobertura esportiva independente e desvinculada do que chega ao público por meio das assessorias oficiais e dos grandes veículos de comunicação?

Bola Presa: O financiamento coletivo é a única maneira, hoje, de produtores médios ou pequenos de conteúdo conseguirem se sustentar com esse trabalho. Os grandes ainda conseguem tirar uma boa grana com patrocínios, parcerias e com os algoritmos do YouTube, mas para quem não atinge milhões de pessoas com seus vídeos ou podcasts, é preciso que o público apoie. Temos que ficar de olho para ver como esse apoio sobrevive em tempos de crise econômica e também se é algo passageiro. Será que daqui a um tempo as pessoas vão se cansar de pagar por coisas na internet de novo?

Também é importante ficar de olho nas grandes plataformas. YouTube, Twitch, Facebook e agora até o Twitter, que parece que vai lançar um serviço “premium”, querem capturar os financiamentos coletivos para si. Eles oferecem a plataforma, o sistema de pagamento e às vezes até uma maneira de fechar conteúdo só para quem apoia, mas você acaba “morando” dentro daquela plataforma, sem flexibilidade de produzir em outros lugares.  

Blog: Guardadas as devidas proporções, como tem sido lidar com a transformação dos “leitores do Bola Presa” em “consumidores do Bola Presa”?

Bola Presa: Sinceramente, pouco ou nada mudou. Claro que sentimos que temos responsabilidade para com quem nos apoia, mas não há pressão e nem passamos a fazer coisas que não gostaríamos só porque agora temos “consumidores”. Há uma preocupação de sempre manter postagens em dia e avisar dos nossos planos ou mudanças, mas acho que é algo que fazíamos mesmo antes das assinaturas. Acho que se mudássemos demais nossa atitude, se fizéssemos ficar com cara séria demais só porque somos pagos, perderíamos o jeito que atraiu nosso público.


E então, você faz parte desses 7 milhões de novos fãs da NBA no Brasil? Aqui no blog estamos atentos às tendências dos negócios no esporte e vamos procurar trazer os influenciadores mais relevantes de cada modalidade para debater conosco.

Se você gostou da nossa conversa com o Bola Presa, cadastre-se em nossa newsletter e não perca nenhuma novidade!