Foto de Andrew D. Bernstein/Getty Images (disponível em https://edition.cnn.com/2023/02/07/sport/lebron-james-breaks-nba-scoring-record-spt-intl/index.html).

Eu sou uma das testemunhas. Todos somos, afinal.

Temos a mesma idade, o que me ajuda ainda mais a colocar as coisas em perspectiva.

Amo o basquete, assim como você. E já faz um bom tempo…

Minha primeira lembrança em relação ao esporte são os Jogos Olímpicos de Barcelona. Ali eu me encantei pelo jogo e pelas estrelas que faziam tudo parecer tão divertido.

Descobri, então, que existia uma tal de NBA e que o “Magic” Johnson havia parado de jogar nela, pois contraíra um vírus meio misterioso.

Lembro-me também que meu jogador favorito do Dream Team, apesar de meus pais e meus tios comentarem sobre o fato de Michael Jordan ser “o Pelé do basquete”, era o Charles Barkley.

Eu não sabia o que era carisma, mas acho que a minha preferência tinha a ver com isso. Barkley passava a impressão de ser um cara muito legal, enquanto o Jordan intimidava os “neófitos”.

Um pequeno salto no tempo e lá estamos nas finais da NBA em 1993. Televisão ligada na TV Bandeirantes durante a madrugada. E não é que eu estava torcendo contra o Chicago Bulls e sentindo o que era enfrentar e temer Michael Jordan?

Instalamos uma cesta de basquete no terreiro da casa da minha avó. Ali, ironicamente vestidos com camisetas do Bulls (as únicas coisas da NBA que encontrávamos à época eram elas e os bonés do Charlotte Hornets), eu, meu irmão e meu primo tentávamos imitar os arremessos de 3 pontos de Dan Majerle e as bandejas e enterradas de “Sir Charles”. Não deu para o Phoenix Suns.

Fecho os olhos e vejo alguns recortes de jornal. E ouço a televisão repetindo que Michael Jordan havia se aposentado para jogar beisebol. Como assim?!

Eu não entendi nada. Todavia, continuei acompanhando. Com menos entusiasmo, é verdade, passei madrugadas aleatórias vendo um time legal de Nova Iorque que jogava no famoso Madison Square Garden. O técnico era estiloso (diziam que era um grande vencedor) e os jogadores estavam sempre metidos em alguma confusão.

Vivenciei, espantado, a ascensão de Shaquille O’Neal. Comentávamos sobre “o gigante” na escola (ele fazia até música e filmes!) e acho que começaram a vender uns tênis Reebok dele por aqui.

E vi, meio à distância, a glória de um pivô de nome diferente que levou o seu time a ser bicampeão. Hakeem Olajuwon. Era o cara que tinha feito mais pontos na história? Não, aquele era o Kareem, não o Hakeem! Isso, Kareem Abdul-Jabbar. Outro nome diferente. Nenhum dos dois era o Michael Jordan.

Só que aí o Michael Jordan voltou. Havia mudado de número e isso deu o que falar, embora falássemos mais sobre os jogos em que ele fazia um “caminhão” de pontos e mostrava que ainda era o mesmo de antes. Logo depois, Jordan retomou o 23 às costas e fiquei contente porque a minha camiseta voltou a estar “atualizada”.

Eu já não torcia contra Michael Jordan. Torcia por ele, na NBA e no Space Jam (ganhei até um action figure, que não chamávamos desse modo sofisticado e que vivia caindo do alto do meu armário).

Tinha raiva daquela dupla do Utah Jazz, Stockton e Malone, porque eles davam um trabalho danado para o Bulls. Disfarçadamente, comecei a me afeiçoar pelo Pippen, percebendo que, não tão brilhante quanto o Jordan, ele era fundamental para as vitórias do time. E claro, havia o técnico de bigode, Phil Jackson. Parecia saber de tudo ou conhecer algum segredo, pois o time dele sempre ganhava no final.

E que final! Concentro-me e escuto a voz do Álvaro José como se fosse ontem: “um monstro, Michael Jordan”! Parecia roteiro de filme. De filme sério e épico, não do Space Jam.

A memória puxa um jogo de videogame, não me lembro de qual console. Os jogadores que eu conhecia estavam lá, só que não havia o nome do Michael Jordan. Estranho, pois todo mundo sabia que era ele, por usar o 23 e ser o melhor “bonequinho” para marcar os pontos.

Eu não entendia o porquê disso e nem o porquê de Boston Celtics e Los Angeles Lakers não serem times muito bons no “joguinho” (já havia aprendido que esses eram os maiores campeões da NBA e que o Chicago Bulls era, no máximo, apenas um “novo rico” ou algo do tipo).

Opa, Jordan parou de novo? É, parece que agora não volta mais.

A essa altura, a internet e a TV a cabo haviam chegado lá em casa. Na ESPN, com a programação quase toda em inglês, começavam a falar muito de um tal de Kobe Bryant, que seria “o novo Michael Jordan”. Será? Bom, entre jogos e highlights, fomos tendo a certeza de que ele era mesmo espetacular.

Outros nomes pipocam nas minhas lembranças: Kevin Garnett, Dirk Nowitzki, Vince Carter e, principalmente, Tim Duncan. Ali, eu já compreendia o que estava acontecendo ao redor da liga (até pesquisei na enciclopédia o que era um lockout). O time de San Antonio viria a ganhar de novo e de novo e de novo, com o arremesso burocrático de Duncan na tabela parecendo muito fácil e caindo um milhão de vezes.

Acontece que, no meio disso, o Los Angeles Lakers ficou imbatível. Que sortudo esse Phil Jackson! Depois de ter o Jordan (e o Pippen, não se esqueça), agora ele tinha Kobe e Shaq. Apelão!

Da mesma forma que havia torcido contra o Jordan em um primeiro momento, torci contra Kobe e Shaq antes de me render a eles. Gostava de fingir que era o Reggie Miller quando arremessava de longe (com a ressalva de que jamais fui um grande arremessador) e vibrei quando Allen Iverson desafiou o glamouroso time roxo e dourado (meu irmão até ganhou uma camiseta muito bonita do Philadelphia 76ers). O time do Jason Kidd não deu nem para o gasto…

Eu já estava para entrar na faculdade quando comecei a ouvir falar de um certo LeBron James. Seria o “novo Michael Jordan” (de novo?). Chegava à liga, no mesmo instante, um “baixinho” de sobrenome Wade, que, algum tempo depois, foi campeão com o Shaq em Miami. Shaq, para mim, assim como Duncan, virara sinônimo de título.

Confesso que me afastei um bocado da NBA naqueles que foram os seus primeiros anos na liga, meu caro LeBron James. Mal reparei nas finais de 2007, por exemplo.

O curso de Direito e outras distrações, mesmo no esporte (o futebol sempre esteve presente), acabaram tomando um tempo que um dia foi do basquete. Acontece.

A bola laranja, porém, continuava quicando por ali, mais discreta em algum lugar do meu tempo/espaço. E uma coisa era fato: sempre que via um jogo dos playoffs da NBA, eu me reconectava com uma época bem marcante e feliz da minha vida, os anos despreocupados de escola, TV Bandeirantes, cesta de basquete na casa da avó, Michael Jordan e bonés do Charlotte Hornets. Anos que contribuíram bastante para me tornar o que eu sou.

Aos poucos, já como advogado e pisando de vez no garrafão da vida adulta, o título do Boston Celtics, o Redeem Team, as conquistas de um novo Lakers (cujo “dono” era Kobe) e a novela sobre o seu destino, meu caro LeBron James, trouxeram de volta para mim, tão ou mais quente do que nunca, a febre da NBA.

Daí em diante, de um jeito ou de outro, a coisa sempre girou em torno de você.

Espiei, com curiosidade, a montagem dos “Heatles” em Miami. Não torci contra, algo que acabei de admitir ter feito em relação a Jordan e Kobe (“mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa”).

Estudei com fascínio sociológico, se é que posso chamar assim, a sua relação com a cidade de Cleveland, as camisetas queimadas, a comunidade que, traída pelo filho ingrato, manifestava um ódio irracional (se bem que não existe ódio racional). E fiquei triste por você na decepcionante derrota para Dallas.

Casei-me, fui aos Estados Unidos, enchi uma mala de livros sobre a NBA e, quando você estava em baixa, meu caro LeBron James, eu comprei a sua camiseta em Miami. Fui censurado por torcedores do próprio Heat, veja só. Diziam que eu deveria ter comprado a camiseta do Dwyane Wade (na realidade, eu comprara também, mas, desavisado, preferi usar a sua pelas ruas).

Os anos foram passando. Fiquei alegre em 2012, com, enfim, o seu primeiro título da NBA e o apogeu nos Jogos Olímpicos de Londres. Vibrei com a cesta do Ray Allen em 2013 (quase) como vibro com um gol do meu time do coração no futebol. Contemplei, resignado, a bela vingança imposta pelo Spurs de Gregg Popovich, Manu Ginóbili, Tony Parker e (lá vem ele de novo) Tim Duncan.

Emocionei-me sinceramente com a sua volta para casa em 2014 (até assobiava os versos da canção que dizia: “I know my kingdom awaits and they’ve forgiven my mistakes…”).

Fui ao Rio de Janeiro para vê-lo ao vivo no retorno ao Cleveland Cavaliers, justamente contra o Miami Heat (como dizem por aí, “life coming full circle”). Foi demais!

Reconheci seu esforço em 2015. E em 2016, numa estrada entre Porto Alegre e Caxias do Sul, assisti aflito, pelo celular cujo sinal ia e voltava, grande parte do jogo 7 contra o Warriors. Cheguei ao destino a tempo de ver o final com uma internet estável. Levara uma camiseta sua e usei-a naquela noite, enquanto você gritava: “Cleveland, this is for you”! Uma história incrível! Fui dormir com um sorriso no rosto.

O time do Golden State, no entanto, era uma máquina, turbinada por um infernal Stephen Curry e por um inevitável Kevin Durant. Por mais que você fizesse, acho que não daria mesmo para ser campeão sobre o esquadrão do Steve Kerr.

Chega, então, o capítulo do Los Angeles Lakers, meu caro LeBron James. Vi alguns dos seus jogos com minha filha mais velha no colo, um bebê (agora já tenho uma outra filha).

Você estava lá quando Kobe foi arrancado desta existência e quando, em um ambiente estranho, você “furou a bolha” mostrando ao mundo que exigia receber o merecido respeito que cabe a um campeão.

Meu caro LeBron James, veja o que você me fez: na noite de ontem, eu, nascido no Brasil, o país do futebol, fiquei acordado de madrugada e me senti presenciando o milésimo gol do Pelé.

Este blog foi feito para falar sobre negócios no esporte, como o próprio nome indica. Nas últimas horas e neste texto, contudo, deixei de lado os negócios para falar só do esporte.

Já escrevi muito sobre você, meu caro Lebron James. Aqui e na minha coluna do Lei em Campo. Por dever de ofício, abordo, em tais sítios, mais os negócios do que o esporte, este que te colocou em capa de revista quando você ainda era um adolescente.

Quantas carreiras você já teve dentro de uma mesma carreira!

Que modelo de excelência + consistência você é, encantando tudo ao seu redor e dominando o esporte e os negócios na era da economia digital.

A cesta que te colocou como o maior pontuador de todos os tempos não foi o famoso “gancho” do Kareem Abdul-Jabbar. Só que, “sem querer querendo”, você executou ao menos dois “ganchos” comerciais perfeitos: um para a Nike, que, sob os olhares (sem celular) de seu fundador Phil Knight, reiterou que somos todos testemunhas; e outro para o seu próprio programa da HBO (The Shop: Uninterrupted), quando, ao comentar sobre o debate em torno de quem é o maior jogador da história, você disse que essa é uma ótima “conversa de barbearia”. Gênio!

Os que te “odeiam” continuarão “odiando”, meu caro LeBron James, conquanto eu desconfie que, no fundo, eles amam te “odiar” e lamentarão, escondidos, mas nem por isso menos constrangidos, o dia em que você não estiver mais em quadra.

Para os demais, como eu, que te admiram e reconhecem a sua grandeza, não importa onde você esteja no panteão, fica um profundo agradecimento.

Muito obrigado por tantos momentos sublimes, meu caro LeBron James!

Seguiremos testemunhando.